sábado, 21 de fevereiro de 2015

Mas pode piorar



Entrei no metrô e ele estava cheio, como sempre. Mas estava suportável. Entre mim e o sujeito a minha frente, ainda havia uma distância respeitável de cerca de meio metro. Enquanto a viagem corria, ouvia tranquilo minhas velhas bandas de rock progressivo.

Viajava no meu som quando o sujeito a minha frente fez um sinal com as mãos e me disse alguma coisa. Tirei o fone do meu ouvido e perguntei sem muita simpatia:

__ Você disse alguma coisa?

__ Sim... Hoje o metrô não está tão cheio, né?

__ É... mas pode piorar...

Nem ouvi a resposta do sujeito direito e botei o fone de novo. Meu rock, com certeza, era muito melhor que o papo à toa daquele cara esquisito que nunca vi na vida. Nem pra ser uma mulher bonita puxando papo. Pensei.

Quando chegamos à estação shopping, como previsto, o vagão ficou completamente lotado. E o sujeito chegou muito mais perto. Muito mais. Para meu desespero, se encostou em mim. Não tinha como fugir. O vagão estava muito cheio. E o que é pior: aquele cara estranho encostou suas mãos nas minhas partes baixas.

Naquele momento, não sabia o que fazer: se gritava, se batia no cara, se saía correndo do vagão. Fiquei perplexo.

Como havia dito alguns minutos atrás: mas pode piorar. E o que já era ruim piorou muito. Além de encostar sua mão nas minhas partes baixas, o sujeito deslizou a mão maliciosamente por cima da minha calça. Aí não aguentei e gritei:

__ Poxa cara! Pode parar que não sou disso! Tire sua mão de mim!

O sujeito ficou todo sem graça e saiu de perto de mim pedindo mil desculpas e dizendo que foi sem querer.

Não falei mais nada. Não olhei para mais ninguém. Aumentei o volume do meu rock e passei o resto da viagem com cara de poucos amigos.

No outro dia, já refeito do susto, fui contar o caso ocorrido para meu amigo de trabalho, que senta ao meu lado no escritório. Contei a estória na maior descontração, dando boas risadas do acontecido. Quando acabei de contar, ele me encarou, olhou nos meus olhos e disse com um sorriso dissimulado no canto da boca:

__ E aí, o cara era bonito?

Fiquei perplexo novamente. Arregalei meus olhos. Abri a boca até não poder mais. Levantei um dedo e ameacei responder, mas não saiu nada. Naquele momento de desespero, só um pensamento veio a minha cabeça confusa: mas pode piorar...

sábado, 31 de janeiro de 2015

Humoristas da última hora



Basta acontecer algo interessante em qualquer parte do planeta e logo recebemos uma imagem engraçada nos nossos whatsapp e facebook. São os humoristas da última hora em ação! Quem são esses caras? Onde fica o QG escondido? Ninguém sabe. Mas eles existem e estão sempre atentos.

Esses humoristas anônimos são ótimos! Eles não perdoam nada. São velozes e têm piada para tudo: o time que perde; o time que ganha; um novo namoro; um novo casamento; um fim de relacionamento; uma nova celebridade; quem ficou rico; quem ficou pobre; a presidenta e até o papa. Tudo vira piada e corre o mundo num piscar de olhos ou seria num passar de dedos na tela?

E como suas despretensiosas pílulas de humor se alastram rápido! Um passa para outro que passa para outro que passa para outro. Pronto! Numa questão de horas ou de minutos, todo mundo viu aquela imagem. Isso é fantástico e inimaginável há poucas décadas atrás.

Agora quem são esses caras? Onde eles ficam? Será que estão entre nós tomando um café no intervalo do trabalho? Ou será que moram todos juntos num escondido QG do humor? Quem são esses caras? Gostaria muito de conhecer um desses humoristas. Eles melhoram nossos dias e nem fazem questão de mostrar suas caras.


sábado, 17 de janeiro de 2015

O grande portal da fantasia


  
Qual a importância dos livros? As pessoas costumam me perguntar. E eu respondo: na prática o livro não serve para nada. Elas, então, ficam desapontadas, pois vivemos num mundo muito utilitarista. Como assim, não serve para nada? Tudo precisa ter uma utilidade. Tudo precisa servir para alguma coisa. Tudo precisa dar resultado. E dar resultado rapidamente. Esta é a nossa mentalidade de capitalistas. Mas os livros não foram feitos para dar resultado.

As obras literárias foram feitas para trazer imaginação. O que para mim é mais importante que o dinheiro. Para mim. O livro nos dá a oportunidade de sair da vida maluca que levamos, parar um pouco, dar um longo suspiro e entrar no mundo do encantamento. E digo com absoluta convicção: nossa vida seria absurdamente insuportável sem a presença da fantasia. Precisamos de faz-de-conta, como precisamos de ar.

Não só a literatura é esse portal da fantasia, mas as outras artes também: música, dança, teatro, cinema. Considero o livro o grande portal da fantasia por causa de algumas de suas qualidades. Em primeiro lugar, ele exige silêncio. Quando você abre uma obra, você precisa de silêncio para entrar nela. Vivemos uma vida muito barulhenta e, às vezes, é bom sair um pouco dessa rotina. O livro, assim como a oração e a meditação, pode nos trazer esse silêncio tão escasso nos dias de hoje.

Em segundo lugar, o livro exige dedicação exclusiva. Quando você abre um exemplar é só ele. Com as outras artes, isso não acontece. Você pode estar no teatro e beijando na boca; ouvindo música e dirigindo ou assistindo a um filme em casa e mexendo no computador. Com o livro, isso não acontece, pois você precisa estar somente com ele.

Além disso, uma obra literária permite a participação do leitor na construção da estória. O livro é incompleto e infinito de possibilidades. Talvez por não ter os recursos visuais e sonoros que o cinema tem, quando lemos vamos imaginando como são os personagens, o lugar, a cena. Vamos construindo tudo isso na nossa cabeça. Cada um de nós constrói uma estória diferente na nossa imaginação quando lemos. No cinema, tudo está tão pronto, cheio de imagens, que não abre tanto espaço para criarmos também. E essa qualidade, sua incompletude, é fantástica, pois nos permite criar. Isso é fantasia na veia.

Por todas essas qualidades, o livro é para mim o grande portal da fantasia. Mais do que isso, quem lê mais, fala melhor, escreve melhor, vai melhor numa prova, vai melhor numa entrevista de emprego e tem mais desenvoltura na vida social. A literatura é uma ferramenta simples, barata e eficiente na transformação da vida. O livro promove maravilhas. Consuma sem moderação!