domingo, 23 de novembro de 2014

De azul!


 
Vinha dirigindo apressadamente e com a cabeça cheia de problemas. Dentro da normalidade dos nossos dias tão agitados. Parei num sinal de trânsito no Setor Policial e a fila de carros era grande. Estava estressado e resmunguei alguma coisa. Olhei para a rua e vi o artista que fazia sua performance naquele sinal. Que figura! O sujeito estava todo pintado de azul! Sapatos, calça, camisa, paletó, gravata, óculos, cavanhaque, chapéu e violão. Todo de azul. Fazia uma estátua azul por cima de um caixote com um violão nas mãos. Que criatura tinha ali na minha frente!

Fiquei olhando aquele sujeito ali se fazendo de estátua azul no sinal de trânsito de uma rua comum da Capital do Brasil e fiquei imaginando: o que passa na cabeça de um sujeito assim? O que ele pensa ao se vestir de manhã para mais um dia de trabalho? Será que ele sai animado de casa para trabalhar? Ou sai desanimado como a maioria de nós? O que ele fica pensando nos poucos segundos que vira estátua no sinal? O que ele pensa de nós que ficamos parados olhando para ele e rindo? Por que ele escolheu a cor azul? Tudo isso veio a minha cabeça naqueles poucos segundos parados no sinal.

Por sorte, não consegui passar na primeira abertura do sinal. Queria observar mais aquele cara. Fiquei torcendo para o sinal demorar ainda mais. Quem diria? Aquela figura me chamou muito a atenção. Poucos segundos antes do sinal abrir, o sujeito descia do caixote, tirava o chapéu da cabeça e passava com a boca do chapéu virada para cima pedindo uns trocados. Poucos davam, mas ele não desistia. Mantinha um sorriso no rosto, uma mão no peito, gestos educados e, logo o sinal fechava, voltava para cima do caixote e para sua posição de estátua. Passava o dia todo assim, sem desistir.

Quando chegou minha vez, surpreendi-me sorrindo, tirando uma nota de dez reais e dando para o artista, que arregalou os olhos e me devolveu um largo sorriso. Tive vontade de dizer algo, de puxar conversa, de parar, de saber mais sobre aquele sujeito, mas o carro de trás foi logo buzinando e tive de continuar meu destino, deixando o artista do sinal para trás.

Passei o dia refletindo: tenho carteira assinada, FGTS, plano de saúde, 13º salário e tantas outras vantagens de um emprego estável. Mesmo assim, questiono minhas escolhas todos os dias. E aquele artista de rua? Mesmo não tendo nenhuma dessas vantagens, todos os dias ele está ali, firme, educado, sorridente, esperançoso e de alto astral. Hoje saí de casa todo cinzento, enquanto o artista do sinal, sempre sai de azul. A partir de agora, acho que também vou procurar pintar minha vida de azul.
 

sábado, 8 de novembro de 2014

Com toda a certeza, eu acho



Sinto inveja daquelas pessoas que têm certeza de tudo. A convicção delas me incomoda. Quando vejo uma entrevista de um ator/cantor/escritor e ele vem com aquela frase: “sempre tive certeza do que queria ser”, sinto-me diminuído na minha total incerteza. E passo o resto do dia me perguntando: como eles conseguem ser tão convictos?

Já quis ser jogador de futebol, roqueiro e ator. Hoje, com toda a incerteza do mundo, quero ser escritor. Comecei faculdade de Engenharia Elétrica, mas acabei me formando em Processamento de Dados e em História. Como assim: Processamento de Dados e História? Pois é. Só não fiz Medicina Veterinária porque tenho medo de sangue. Para ser sincero, nunca tive certeza da minha vocação e, pelo jeito, nunca terei.

Tomar uma decisão sempre foi um drama para mim. Só tenho certeza de três coisas na vida: torço pelo Cruzeiro, gosto de mulheres e sou Católico. No mais, impera a dúvida. Vou ficar com esta namorada ou aquela? Fico nesta cidade ou me mudo? Fico neste emprego ou procuro outro? Tomo cerveja ou vinho? Chuto para o gol ou toco a bola de lado?

Nossa vida não permite ensaio. Estamos ao vivo o tempo todo e não teremos outra chance. É segurar o medo, tomar fôlego e mergulhar no escuro. Quando as decisões precisam ser tomadas e as dúvidas aparecem, costumo tomar a decisão de me mexer. Sem certeza alguma, prefiro tentar. É melhor errar tentando do que não tentar. Eu acho. Eu acho...