domingo, 23 de outubro de 2011

Fábrica de Ilusões

                        Gosto de ouvir o rádio. Ele é para mim emoção e criatividade. Todo locutor, de certa maneira, é um mágico, pois consegue passar uma cena em detalhes para os nossos olhos, que não a estão vendo. Mais do que a cena, consegue passar a emoção, fazendo a gente vibrar com o que ele diz.
                        Outro dia, indo trabalhar, ouvi o locutor de uma rádio comentar que o Axl Rose, vocalista da banda Guns and Roses, havia subido no palco do Rock in Rio debaixo de muita chuva, com uma jaqueta amarela, um chapéu na cabeça e grandes óculos escuros. Apesar da passagem dos anos e do peso bem acima, a empolgação do cantor era a mesma de outros festivais, de acordo com o locutor.
                        Fiquei com aquela cena na cabeça, pois o rádio tem dessas coisas: cria cenários em nossas mentes.
                        Quando cheguei ao trabalho, observei que um colega era a real descrição do que tinha ouvido no rádio: gordo, cabeludo, usando óculos e com uma jaqueta amarela. Não tive dúvidas: apesar de não ter visto o cantor, arrisquei com os olhos do rádio:
                        __ E aí, Axl Rose!
                        Pegou na hora, como fogo no paiol! Todo mundo começou a rir e a chamá-lo de Axl Rose. Virou o assunto do dia!
                        Eu não tinha visto, mas a mágica do rádio me mostrou!
                        Gosto de ouvir futebol no rádio. Pode parecer muito mais interessante assistir ao jogo na TV ou no estádio, mas o rádio tem os seus encantos, que o tornam indispensável numa transmissão de futebol. Mesmo que o jogo esteja passando na televisão, eu tiro o som do aparelho e fico ouvindo o rádio. Não tem jeito, pode parecer irracional, mas gosto daquela emoção que só o rádio me transmite.
                        Nada substitui a empolgação do locutor quando grita:
                        __ Passou raspando!
                        Mesmo que tenha passado a dois metros de distância.
                        __ Que jogo emocionante!
                        Mesmo que esteja um marasmo, com os dois times tocando a bola de lado.
                        __ Que drible maravilhoso!
                        Mesmo que tenha sido um lance comum.
                        Tem gente que não entende. E não adianta nem tentar. Não vão entender nunca. Rádio é passional: ou você gosta ou nem liga.
                        O rádio cria cenários. O rádio cria emoções. O rádio cria ídolos.
                        Quantos não ficaram fãs de um jogador, por causa de um locutor de rádio, que melhorou tanto seus lances?
                        Quantos não ficaram fãs de um locutor, por causa de suas frases, de suas manias, de sua vibração?
                        A televisão tem as suas qualidades, que são inquestionáveis, mas não passa a emoção do rádio. Nele, graças ao locutor que torce comigo, que vibra comigo, que chora comigo, meu time sempre joga bem.
                        No rádio, meu time é rápido, ofensivo, envolvente e vencedor. Nele, meu time sempre vence. E vence de forma arrasadora! Quando perde, claro, é por culpa do juiz, que não deu um pênalti claríssimo, mesmo que a TV mostre que foi apenas um lance duvidoso.
                        Pelas emoções que me transmite, prefiro os olhos mágicos do rádio.

sábado, 1 de outubro de 2011

Quero ser índio!



Sinto-me bastante desconfortável neste mundo capitalista. Não consigo entender o consumismo. Eu não preciso de um carro melhor para viver. Eu não preciso de muitos imóveis ou grandes extensões de terras. Eu não preciso de tanta tecnologia. Eu não preciso de roupa da moda. Sou simples e quero viver e morrer na simplicidade.

Mas o mundo a minha volta pensa diferente. Querem que eu troque meu carro. Querem que eu troque meu apartamento. Querem que eu troque minha televisão, meu telefone, meu computador. Querem que eu troque tudo. A obsolescência está programada para hoje. Tudo precisa ser trocado, mudado e atualizado, com a maior urgência. A caldeira do capitalismo não pode parar de queimar. Estão todos obcecados em ter, poder, parecer – numa dose cada vez maior.

Você precisa ter mais coisas, mais coisas e mais coisas. O telefone de ontem não serve para mais nada, apesar de estar funcionando perfeitamente. Suas roupas são fora da moda, apesar de estarem novas e limpas. Você precisa trocar seu computador, apesar dele lhe atender com eficiência. Mas é assim que tudo funciona. Não tente ser diferente, para não ficar isolado neste mundo tão moderno.

Você precisa estudar mais. Uma graduação não vale mais nada. Uma pós-graduação só é muito pouco. Saber inglês é obrigação. Você precisa estudar mais, estudar sempre, manter-se atualizado 24 horas por dia. Você precisa trabalhar mais. Oito horas por dia é pouco. Fazer o que lhe pedem, é pouco. Você precisa agir diferente. Você precisa ter iniciativa. Você precisa cuidar de sua imagem. Parecer é muito mais importante do que ser. Você precisa parecer brilhante, feliz, bonito e eficiente o tempo todo, 24 horas por dia. Se não for assim, coitado, alguém do outro lado do mundo vai tomar o seu lugar. Isto é a globalização e temos de nos adaptar rapidamente.

“Pagando bem, que mal tem”, é o lema do momento. O mais importante sempre é lucrar o seu, não importando que custo isso possa ter. Sentimentos, cultura, sabedoria, amizades, fraternidade – fazem parte de um passado muito atrasado, que não mais interessa. Importante mesmo é só o agora, de preferência com muito dinheiro, prazer e poder.

Por isso, resolvi: quero ser índio.

Índio trabalha o suficiente para comer. Não precisa acumular. Não precisa vender. Não precisa pagar. Não precisa de dinheiro. Não precisa de relógio. Trabalha para o próprio sustento e o de sua família. No resto do tempo, faz o que gosta de fazer, sem precisar dar satisfação ao chefe, ao vizinho, à sociedade.

Índio não destrói a natureza, pois é seu amigo. Conhece e respeita suas limitações. Tira dela só o que ela pode oferecer. Ele sabe muito bem que a natureza tem o seu tempo, seus segredos e suas maravilhas, reveladas apenas para aqueles que têm paciência e a tratam com o carinho merecido.

Índio sabe pescar, sabe caçar, sabe plantar. Vive plenamente integrado à natureza, que é sua casa, seu alimento e sua vida. Índio não precisa ter coisas, pois tem a natureza, com toda a sua imensidão, beleza e generosidade.

Eu não quero acumular coisas – quero acumular sentimentos.

Por isso, resolvi: vou largar tudo e virar índio.