quarta-feira, 20 de julho de 2011

Na avenida Amazonas nasce um sabiá

Mamãe-sabiá cerca de todos os cuidados seu ninho numa árvore na Avenida Amazonas, naquele início de manhã azul de primavera, indiferente ao mundo agitado dos homens à sua volta. Seu mundo é o seu ninho! De repente, um dos ovos se abre num momento mágico e ela não se aguenta de alegria: nasce seu primeiro filhote-sabiá! E como se tivesse marcado um gol num clássico de Minerão lotado, a mamãe-sabiá voa frenética para o alto do pirulito na Praça Sete, para cantar bem alto a todos que passam o seu grito de alegria!
Homens, mulheres, carros, motos, bicicletas e carroças passam, com toda a pressa do mundo, pela Praça Sete, em busca do pão de cada dia. Passa o bancário, já estressado, às oito da manhã. Passa o vendedor de imóveis pensando nas vendas que têm de fazer. Passa o médico rezando para que aquela cirurgia seja feliz. Passa a senhora gorda com um cartão de loteria, falando sozinha. Até o mendigo passa rápido, tem pressa de chegar ao seu ponto, pois a concorrência não perde tempo. Passam muitos, grandes e pequenos, pretos e brancos, pobres e ricos, tristes e felizes. Enquanto no alto do pirulito, a mamãe-sabiá canta cada vez mais alto. Quer chamar a atenção de todos para o grande acontecimento de sua vida! Mas ninguém lhe dá atenção. Olham todos para baixo, como se tivessem vergonha de viver ou como se o umbigo fosse o centro do universo.

Mas a mamãe-sabiá não se incomoda com a indiferença alheia. Está feliz, de peito inflado e canta pelo prazer de cantar. No fundo, não consegue esconder, tem aquela esperança de receber atenção, da mãe que precisa mostrar a sua cria. Enquanto isso, subindo devagar pela rua Rio de Janeiro, vem desfilar pela Praça, como um raio de luz, a morena de Minas, de lábios carnudos e vestido de flor, cabelos compridos e aqueles olhos sorridentes de quem sabe ter o invejado poder de possuir todos os homens aos seus pés. Mamãe-sabiá se anima e pula na primeira árvore mais perto da moça. Todavia, a morena de Minas passa sem olhar de lado. Ela tem seus olhos negros em sonhos de amor e não vê o mundo das coisas da terra. Mamãe-sabiá não desiste, volta para o alto do pirulito. E canta, canta, canta...

Pela Praça Sete, numa manhã azul de primavera, passa Minas inteira. Passa a velha de lenço na cabeça, jeito de interior, segurando assustada uma bolsa surrada, com medo de assalto. Passa a bela jovem de piercing no nariz e fone de ouvido, surda para as coisas do mundo. Passa o executivo ao celular, falando longe, do outro lado do mundo, esquecido do que se passa a sua volta. Passa o jovem padre de batina preta e colarinho, como naqueles tempos antigos dos padres severos do interior. E passa rezando num terço de grandes contas, como se orasse por todos os pecados do mundo, em direção à Igreja de São José. Passa o bêbado, naquele estado de embriaguês permanente, pedindo vinte centavos e assumindo, publicamente, que aquele dinheiro é sim para a cachaça, demonstrando, mais uma vez, a honestidade do povo de Minas. Ah! E como passam tantos personagens numa manhã dessas terras alterosas, nesse cenário azul de montanhas de inspiração!

Subindo pela avenida Amazonas, calmamente, um homem caminha de olho nos prédios, de olho nos carros, de olho nos rostos das pessoas, como se tivesse saído, naquele momento, de uma solitária prisão de dez anos. Atento a tudo, olha para o alto do pirulito da Praça Sete. Vê num jogo de luzes caramelo-laranja a mamãe-sabiá de peito erguido e, surpreso, com um sorriso no canto dos lábios, fala baixinho consigo mesmo: ah, o sabiá! Diferente das pessoas, ele está alegre, como se a vida fosse o mais importante! Fica animado e pensa em parar o jovem de mochila nas costas que vai a sua frente, para que ele também veja a alegria contagiante do sabiá. Desiste da idéia. De outras experiências, já sabe até a resposta: você é louco! Você é poeta! Não deve ter nada de útil pra fazer na vida! Deixa o jovem ir embora, na sua pressa solitária, sem sentido, sem alegria, sem poesia. Afinal, pensa com aquele olhar de vaidade, a poesia não é mesmo para os comuns, mas somente para os loucos...



sábado, 9 de julho de 2011

Vamos ler os cronistas!

Tenho o bom costume de ler jornais e revistas. Aliás, leio tudo o que aparece em minhas mãos, das bulas de remédios aos livros de Filosofia. Pelo menos, costumo folhear rapidamente as revistas e os jornais. Às vezes, confesso, fica até um pouco difícil e desanimador lê-los por completo, porque são muitas as notícias ruins: assassinatos, corrupção, drogas, estupidez, violência de todos os tipos, ignorância, vaidade, inveja, etc.


Ultimamente, não estou com muita paciência com a dureza de nossa realidade, de ver a vida como ela é. Passo pela capa do jornal sem nenhum interesse e vou direto aos cronistas. São mesmo os cronistas que me interessam. Eles não falam deste mundo. Falam de um tempo de infância, misturando poesia, alegria, fantasia, ternura e sonhos. Esta mistura forma o tempero ideal para mim, bem do jeito que eu gosto. É ali que me encontro.

Estou me sentindo cada vez mais deslocado no mundo real, cansado de muitas coisas. Viver a realidade tem ficado complicado para mim, onde o ter-parecer-poder, é o que importa. Não consigo viver tranquilamente neste universo das aparências, onde a hipocrisia é o nosso prato de cada dia, que temos de engolir correndo e a seco. Falta-me certo jogo de cintura para a falsidade, tenho de reconhecer. Você precisa ser mais “político”, já me disseram muitas vezes. Mas como disse em outras oportunidades, sou muito mais pelo ser-saber-sentir. O que não é nem um pouco fácil, pois a dura realidade, invariavelmente, é implacável com quem se coloca assim tão fora do sistema dominante.

Por isso, ao abrir um jornal ultimamente, não perco o meu tempo, vou direito neles: os cronistas. Da realidade, confesso, estou de saco-cheio. Ali, no mundo dos cronistas, encontro o que procuro e o que me deixa feliz: boa dose de fantasia. Portanto, faço aqui a minha campanha: vamos ler os cronistas! Vamos deixar que a fantasia deste mundo de criança faça parte de nosso dia-a-dia e apague um pouco a dureza de nossa vida mesquinha.

Acho que estamos precisando de um pouco de delicadeza.